domingo, 24 de novembro de 2013

Cafeína Cult: O Iluminado (1980)

O Iluminado (The Shinning, 1980) de Stanley Kubrick

Desde a cena inicial do filme: quando Kubrick nos coloca como uma assombração deslizando por montanhas e névoa enquanto vemos o carro de Jack Torrance seguindo para o Hotel Overlook, com uma trilha sonora sombria e fantasmagórica, Kubrick nos convida a uma jornada psicológica perturbadora sobre o poder do além, e da sugestão, sobre a mente dos seres humanos. Demonstrando uma aula de direção, como sempre, e MAGNÍFICA atuação de Jack Nicholson.


A maior polêmica do filme, com certeza, é a questão das diferenças entre o roteiro do filme e o livro de Stephen King. Eu adoro Stephen King, gosto muito do livro, mas as mudanças que Kubrick realiza no roteiro deixa a história com um outro lado psicológico mais aprofundado em Jack Torrance que torna toda a trama mais interessante... e assustadora. No livro, quem é o protagonista é Danny, no filme de Kubrick é Jack. O conflito moral e psicológico que Kubrick faz Jack passar naquele hotel cria um cunho de conflito metafísico e psíquico que nos deixa à beira da loucura por tentar quebrar o enigma se tudo aquilo está realmente acontecendo pelas assombrações do hotel ou pela insanidade gradual de Jack pelo isolamento e já sinalizado em sua vida pregressa. Além de que, a conclusão que o filme nos oferece é MUITA MAIS satisfatória que a do livro, já que fica bem mais coerente com os acontecimentos anteriores e as transformações dos personagens.

Para nos incluir na opressão do que aquele ambiente cria nos personagens, o design do filme TODO trata da ambigüidade daquele hotel, o conflito entre o azul sombrio e gélido e o vermelho/laranja quente e pulsante, como um inferno particular. Por exemplo, o saguão do hotel é todo filmado com um forte tom azulado gélido com pontos de lamparinas laranjadas e quentes. A partir daí vemos os personagens sempre saindo daquele tom de impessoalidade e total desumanidade daqueles seres sombrios do hotel para um “inferno” enervante do descontrole do clímax do filme: reparem como a sala de Halloran é toda banhado em um negro azulado com o detalhe de uma lareira ao fundo, do mesmo modo como Kubrick filma Wendy sendo encantuada por Jack em determinada, e TENSA, cena, tirando-a ela do saguão do hotel para o topo da escadaria...que está banhado por uma luz quente. O máximo do uso da cor quente é o salão de festa, devidamente o “salão dourado”.


Sem contar que Kubrick utiliza muito bem o roxo e o verde no demoníaco quarto 237, simbolizando a morte e a podridão, e o uso do vermelho vibrante e sanguinário MUITO BEM implantado na emblemática cena do banheiro entre Jack e Grady (a cena da virada do filme) metaforizando o derrame de sangue da APAVORANTE cena do elevador. O design do filme também utiliza de forma muito PERTURBADORA a simetria angustiante de todo o hotel. Além de explorar cenários com uma dimensão grandiosa (dando a sensação de isolamento e solidão dos personagens naquele ambiente), todas as vidraças, janelas, carpetes, portas, enfim, tudo é baseada na simetria perfeita que contrapões toda a perversão e macabrez por trás daquilo tudo.








A direção de Kubrick exibe uma precisão, praticamente, cirúrgica. Seus travellings constantes, ao criar o steady cam, nos faz deslizar pelo Hotel Overlook como um verdadeiro fantasma, principalmente ao focalizar sempre Danny pela porção posterior (o que também seria utilizado FABULOSMENTE no clímax do labirinto). Outro EXCELENTE aspecto dos quadros que Kubrick cria é abrir a cena com um plano mais fechado, abrir aos poucos, demonstrar todo o ambiente enigmático e enervante do hotel, e depois fechar novamente o plano, como se algo tivesse chegado a aquele ambiente e oferecendo um ar de imprevisibilidade. É interessante também como Kubrick abusa da dimensão assustadora do hotel para ir fechando os personagens cada vez mais em locais fechados e claustrofóbicos: por exemplo, do saguão, Jack encantua em Wendy no quarto, e depois no banheiro.
Kubrick também utiliza de forma FASCINANTE os frames entrecortados (principalmente para retratar as visões arrepiantes de Danny), o que oferece um sentimento de desnorteamento genuíno. Assim como a ideia GENIAL de colocar Danny movimentando o dedo para fisicalizar Tommy, que deixa aquela situação ainda mais estranha e impactante.

O que muitos acusam o filme de ser “parado” e “monótono”, na verdade, é Kubrick preparando o campo para o susto: a cena de Halloran andando, por um longo tempo, pelo saguão do hotel após retornar é ESSENCIAL para que o susto que está por vir seja efetivo, assim como exibir uma calma e suavidade perversa na cena do 237, tornando tudo aquilo mais sórdido e pesado. Sem contar a energia que Kubrick exibe na cena do labirinto, aliás, uma troca genial de Kubrick (já que no livro, os arbustos em forma de animais ganham vida). Além de oferecer uma oportunidade de perseguição MAGNÂNIMA, o labirinto ainda funciona como simbolismo para o próprio psicológico conturbado de Jack.


Por falar nele, a atuação VISCERAL de Jack Nicholson consegue deixar qualquer um apavorado. Exibindo detalhes de sua impaciência e personalidade explosiva desde os primeiros instantes (quando exibe um ar cínico para seu chefe, ou ar bufar impaciente enquanto conversa com Wendy), Nicholson já planta a ideia que Jack é facilmente corrompido, o que torna as possibilidades e ameaças ainda maiores. Suas feições de fúria ensandecidas e descontrole deixam qualquer um aterrorizado, apesar de nunca cair na caricatura, nos convencendo do descontrole emocional progressivo de Jack (reparem no quadro metafórico de Jack observando Wendy e Danny fora do hotel).
Já Shelley Duvall, muito criticada por sua atuação, funciona como o contraponto perfeito para a fúria de Jack, já que trás um ar de Mia Farrow em “O Bebê de Rosemary” pela fragilidade, tornando toda a situação, e possibilidade de sobrevivência dela e do filho mais remota. Já Danny Lloyd é um verdadeiro achado, já que com sua pouca idade consegue expressar um medo infantil complexado com auto controle de forma magistral (repare como olha para as gêmeas pela primeira vez sem saber se são reais ou não, ou como controla o tom de voz para não denotar medo na cena do 237).  Até nas cenas de drama Lloyd se revela hábil, já que demonstra um temor genuíno de seu pai (facilmente visto pelos seus olhos frios ao conversar com ele no quarto) que o faz prever a tragédia que se sucederá.
Como já citado no primeiro parágrafo, a trilha sonora é FENOMENAL, criando uns tons de cânticos fantasmagóricos mórbidos e dissonantes, que se tornam cada vez mais agudos e incômodos. Em outros momentos, a trilha sonora transita entre o calma bisonha e o estridente apavorante de acordo com os sentimentos dos personagens. Um trabalho atmosférico de música.
Uma experiência ÚNICA de horror psicológico no seu cerne mais visceral e assustador, “O Iluminado” é uma obra-prima do horror moderno INCONTESTÁVEL. Mais uma prova da maestria de Kubrick.
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Médico Veterinário, especialista em clínica médica de pequenos animais. Possui duas grandes paixões: animais e cinema. A primeira por entender que são a fonte do mais puro amor. A segunda desde que viu "A Bela e a Fera" num antigo videocassete JVC comprado pelo pai quando tinha ainda 4 anos. Pessoalmente, a forma de arte mais fascinante

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